Taras Chevtchenko

Morentsi, aldeia em que nasceu Chevtchenko

Há quase 200 anos, na Europa Oriental, ao norte do Mar Negro, quase no centro da Ucrânia, nasceu em 9 de março de 1814 TARÁS CHEVTCHENKO. Cercado de muita ternura materna, mas sem qualquer conforto material, num casebre da aldeia de Morentsi não muito distante da margem direita do rio Dnipró, nasceu o futuro gênio, um fervoroso patriota, um grande artista, o poeta maior da Ucrânia. Armado de refinada arte e de inigualável maestria no manejo da palavra, iria redimir a língua ucraniana e firmá-la definitivamente no âmbito da literatura universal. Iria encorajar seus compatriotas, então intimidados com a cruel opressão dos tzares russos, a reagirem contra o servilismo dos nobres e contra a servidão a que estavam submetidos e a continuarem a luta pela independência e autodeterminação da Ucrânia.

Seu pai, Hrehorii, e sua mãe, Katerena, eram pobres camponeses ucranianos, como milhares de outros. Outrora livres, agora sem direitos e forçados a viver em áreas determinadas de terra. Como servos destas glebas, eram doados pelo tzar aos seus fiéis fidalgos e aos seus protegidos, devendo permanecer a serviço dos novos senhores. A gleba onde os Chevchenko viviam, que incluía várias cidadezinhas e aldeias, fora doada ao nobre russo Vassil Engelhardt.

Tarás era o terceiro filho do casal. Antes dele, nasceram Meketa e Katerena. Depois nasceram ainda Iarema, Ossep e Maria, que nasceu cega.

Aos dois anos de idades muda Tarás com sua família de Morentsi para aldeia vizinha, Kerelivka, onde já morava seu avô Ivan Chevtchenko e seus tios. Nesta localidade, ambiente rústico e bucólico, ele passa sua infância. A casa era pequena; a vida apertada. Mais tarde, irá escrever o poeta:

“Chego a tremer quando recordo aquela casinha à margem da vila…

Ali mãe me agasalhava e em panos enrolando-me cantava,

transferindo seus sentimentos de amargura para seu filho;

naquele bosque, naquela casinha, no paraíso, o inferno eu via…”

Paraíso era o lar, o convívio familiar, o amor e o carinho da mãe e da irmã mais velha, o bosque aí nas proximidades, o riacho onde ele gostava de brincar. Inferno era a amargura indisfarçável, que ele já desde pequeno lia no semblante de todos e pessoalmente sentia.

A vida dos servos não era nada fácil. O trabalho extenuante consumia todo o tempo e todas as forças, sem nenhum proveito para eles. Tudo era para o senhor da terras. O sofrimento era tanto que a sua mãe veio a falecer com apenas 37 anos. Este fato trágico aconteceu quando Tarás tinha apenas 9 anos e meio, deixando o menino fortemente abalado.

Seu pai sabia ler e sabia que isso era talvez a única forma de possibilitar ao filho um futuro melhor. Fez Tarás frequentar a escola da aldeia: uma simples sala, em que um sacristão ensinava as crianças, sentadas ao redor de uma grande mesa, a ler e a escrever. O rigor, porém, da disciplina praticada pelo professor simplório era excessivo e para um menino esperto e irrequieto como Tarás, os castigos eram tão frequêntes que se tornaram insuportáveis. Mal iniciou a ler e escrever, teve que abandonar a escola.

Mas em casa a situação lhe era ainda mais adversa. Tendo ficado viúvo, seu pai, que permanecia os dias inteiros trabalhando no campo ou fazendo viagens de carroça para o senhor, não tinha como cuidar da própria casa. O irmão mais velho de Tarás tinha então 13 anos, e a irmã menor 4. Era urgente conseguir-se uma nova mãe para o lar que ficara abandonado. Tal função só pôde aceitar quem estava em situação semelhante: uma jovem, viúva com 3 filhos pequenos. O pai de Tarás casou-se com essa viúva. O lar, então, virou um inferno para o menino, que tinha 10 anos.

A madrasta não o suportava, e ele passou a ser alvo de toda sua ruindade. Frequentemente teve que fugir e passar dias e noites seguidas escondido em algum bosque ou caverna, sofrendo fome e frio. Para se ver livre dele, a madrasta obrigava-o a ir apascentar rebanhos alheios, ficando assim dias inteiros completamente abandonado.

Certa vez, no verão, seu pai teve de fazer uma distante viagem de carroça para o Sul, a serviço do patrão. Sabendo do difícil relacionamento de Tarás com a madrasta, não ousou deixá-lo indefeso e levou-o para acompanhá-lo. A viagem durou várias jornadas que se prolongavam noites a dentro. Para o inteligente menino isso foi uma experiência fantástica: ver e sentir a imensidão das estepes, outras povoações, acampamentos de ciganos, à noite o céu estrelado, a “lua de face clara” coma qual aprendeu a “conversar como irmão com a irmã”. Essa experiência da imensidão e esse sentimento cósmico aparecem depois em sua poesias.

Mais vezes Tarás acompanhou seu pai em semelhantes viagens, interessantes para ele, extenuantes para o pai. Em uma delas seu pai, já fisicamente alquebrado, resfriou-se e adoeceu gravemente, vindo a falecer em março de 1825, com 47 anos, deixando Tarás, totalmente órfão com apenas 11 anos.

A madrasta assumiu então a casa como única dona, e Tarás, para manter-se afastado dela, ao saber que viera outro professor para a escola da aldeia, um outro sacristão, conseguiu que este o aceitasse em tempo integral, inclusive para morar junto com ele. Este o fez, então, de chefe da classe e o transformou em seu auxiliar para todas as tarefas. Nos ofícios fúnebres cabia-lhe os salmos. Tarás, de tanto repetir, sabia-os de cor.

Essa experiência, bem como essa escola, por mais precária que fosse, foi muito útil para ele. Assim familiarizou-se com os livros, com a palavra escrita, com a linguagem poética dos salmos, com as gravuras das ilustrações. Mas, órfão de pai e mãe, pobre e abandonado, quase só conheceu miséria e injustiça. Pelo trabalho diário nada lhe pagavam. Nem um pedaço de papel próprio o menino possuía. A propósito, conta ele mais tarde em um poema: sem outro recurso, chegou certa vez a roubar do sacristão uma moeda. Adquiriu com ela uma folha de papel e, dobrando-a, fabricou um caderno, contornando suas páginas com desenhos e fazendo aí suas primeiras anotações.

Um dia, o professor-sacristão ficou completamente embriagado, e o menino, revoltado com os maus tratos, viu que esta era a hora oportuna para dar uma basta à sua submissão humilhante. Aplicou uma tremenda surra no bêbado e abandonou a sua casa, fugindo para longe, levando consigo tão-somente algo que lhe era muito caro: um livrinho com ilustrações. Isso aconteceu quando ele já tinha 13 anos.

Vocação Artística: Inteligente e de forte personalidade, já desde pequeno ele sentia um irresistível impulso de externar seu mundo interior, cheio de mágoa, de revolta e de sentimentos conflitantes. Na falta de interlocutores e introvertido por temperamento, ele fechava-se em sí e isolava-se ao ponto de desaparecer por vários dias e permanecer escondido em algum bosque ou numa caverna à beira do riacho. Seu passatempo era, como ele mesmo conta, chorar, rabiscar figuras e cantarolar as canções que aprendera na infância, em casa, principalmente com a sua mãe.

Chorava de mágoa e de revolta, pois ainda que bem jovem, já tinha consciência e experiência de sua condição de servo e órfão e via como paisagem da sua aldeia era ofuscada pela miséria, exploração e sofriemento. Nessa solidão, o momento recordava, certamente com saudade, os bons tempos vividos na infância em companhia de seus pais e irmãos.

Relembrava como o seu pai lia em voz alta, para toda a família, aos domingos, a “Menéia”, um dos poucos livros disponíveis e largamente difundidos, que participava e era testemunha ocular das recentes revoltas dos camponeses liderados pelos “Haidamake”, líderes sociais revolucionários, contra os latifundiários e senhores, que os exploravam e maltratavam sem dó nem piedade.

A mais recente dessas revoltas ocorrera ali nas imediações e fora cruelmente reprimida pelos senhores, à mão armada. Inúmeros camponeses e seu líderes foram trucidados e posteriormente sepultados num grande cemitério perto de um mosteiro. Esse local tornou-se um centro de peregrinação. Tarás inclusive já tinha estado lá com sua irmã mais velha Katerena, que a essa altura já estava casada e morava em outra aldeia. A casa dela era por sinal um dos refúgios seguros de Tarás, apesar de provisório e sem maiores perspectivas.

Tendo abandonado a “escola” do sacristão, ele estava agora literalmente na rua. Mas sabia o que queria. A necessidade de criar era para ele um impulso interior imperioso, categórico. Seu gosto por cantos populares já deixava entrever seu talento poético. Era fortemente estimulado pela poesia natural, autenticamente humanística e patriótica, contida nesses cantos. Esse seu talento era tão inato e cheio de conteúdo, que bastaria tão-somente que fosse burilado e estimulado pelo exemplo e pela leitura de obras de outros poetas para que explodisse em todo seu vigor.

Isso acontecerá mais tarde. Mas naquela época Tarás nem sonhava ainda em ser poeta. Sonhava ser pintor, o que já era um decisão. Precisava, por isso, de um mestre que o admitisse como aprendiz dos rudimentos da arte. Assim ele inicia a sua busca. Dirige-se à vizinha aldeia Lesianke. Havia ali um pintor. Contatado por Tarás, ele o admite. Aproveita-se, contudo, do rapaz para fazê-lo trabalhar gratuitamente, puxar baldes de e mais baldes de água da fonte, fazer linpeza, preparar tinta, limpar pincéis. Três dias se passaram, e nada de aula de pintura. O rapaz finalmente percebeu que estava sendo explorado como ajudante gratuíto e que nenhum proveito vinha tendo disso. No quarto dia resolveu ir embora e dirigiu-se à aldeia Tarasivka em busca de um outro mestre. Esse, por sua vez, com ares de quiromante, pede-lhe que lhe mostre a palam da mão. “lendo-a”, tenta dissuadir o rapaz, afirmando-lhe que não vê nele nenhuma queda para a pintura, nem sequer para trabalhos manuais. Frustado, Tarás volta à sua aldeia e emprega-se na casa do pope, onde ocupa-se dos afazeres domésticos e cuida do gado e das ovelhas.

Pouco tempo depois, porém, insiste em sua busca e vai à vila Hlepnivke, onde encontra um pintor, que comprova sua queda e seu talento para a arte. Como Tarás era filho de servo, para poder estudar arte com ele, tinha que conseguir autorização da parte de seu senhor, na sede da Vilchane.

A essa altura falece o velho senhor Vassil Engelhardt, e seu filho Pavló Vassilievitch Engelhardt herda aquelas propriedades. Ainda jovem, resolve fazer modificações na administração e pede para recrutarem novos serviçais. Justo quando Tarás vem em busca de autorização para estudar pintura, o administrador da propriedade resolve retê-lo ali, para ser um dos novos serviçais no palácio. Com certeza, esse tentou desconversar, mas aquilo era ordem e devia ser cumprida.

Assim vemo-lo já vestido mais decentemente, aprendendo boas maneiras, trabalhando na cozinha e depois como pagem, postado na ante-sala, aguardando o chamado do seu senhor para trazer-lhe e acender-lhe o cachimbo, calçar-lhe ou descalçar-lhe as botas, e coisas do gênero.

É fácil de se imaginar a frustação e a revolta do jovem. Mas escapar dali, nem pensar! As consequências podiam se trágicas.

Sem outra saída, permanece ele naquela função humilhante e monótona. Para distrair-se, observa as decorações e os quadros da ante-sala e de todo o palácio e começa a copiá-los em folhas de papel. O senhor o flagra em tal atividade e o repreende severamente. Mas ele, às escondidas, continua com o passatempo.

Meses depois ele já acompanha seu senhor nas frequêntes viagens, após ter aprendido a falar alguma coisa, ao menos, em russo e polonês. Nos palácios dos senhores e entre os nobres naqueles lugares falavam-se então esssas línguas, e ele forçosamente tinha que ir aprendendo-aos poucos.

Em meados de 1829, quando Tarás já tinha 15 anos, seu senhor que era oficial do exército russo, parte para uma longa viagem e leva consigo grande comitiva de serviçais. Entre eles está o jovem pagem. O destino final é Varsóvia, mas primeiro passam por Vilna, na Lituânia, onde permanecem um longo tempo, acomodados num palácio em que se hospedou seu senhor.

Numa noite, em Vilna, aconteceu que Pavló Engelhardt saiu para uma festa e nosso jovem candidato a artista, impressionado com a decoração e a beleza dos quadros do palácio, resolve copiar as pintuas, à luz de vela. Estava tão mergulhado em sua atividade que nem percebeu a chegada do severo parão, que furioso, aplica-le vários puxões de orelha e aos tapas e gritos o repreende e manda castigá-lo com violenta surra com vara por ter ousado estar ali à noite com vela acesa, podendo assim ter incendiado não só o palácio, mas toda a cidade! A fúria e ira de Pasvló Engeljardt naquela oportunidade devia ter outros motivos, e só aproveitou a oportunidade para descarragá-las sobre uma vítima inocente, pois a essa altura ele já com certeza conhecia o talento e o gosto do seu pagem pela pintura. Seguiram, pois viagem a Varsóvia e, chegando lá, ele fez Tarás estudar desenho pintura com Lampi, um popular artista pintor de retratos, certamente pensando assim em ter futuramente um artista em sua casa para “uso próprio”.

Estudando Desenho: Embora por intersses escusos do patrão, finalmente o nosso aprendiz inicia a realizar seus sonhos tão insistentemente almejados. Órfão, servo e pagem, agora se vestia com roupa nova, limpa e bem passada, frequentava aulas a que assistiam gente livre e inclusive nobres.

Quem cuidava da roupa de Tarás, lavava-a e passava, era uma jovem polonesa, com quem logo travou grande amizade. A essa altura, já devia estar falando e entendendo bastante bem a língua polonesa, pois a moça, com certeza, não sabia outra língua. Sobre essa amizade e as conversas bastante cordiais, falará Tarás mais tarde para seus amigos, dizendo, entre outras coisas, que o que mais o intriga era o fato de que uma jovem, como ele, mas pelo fato de não ser de servos, podia fazer um serviço humilde e ser paga por isso, sendo e devendo ser respeitada por outros, enquanto que ele, por ser servo e filho de servos, nada podia dizer quando era tratado por seu senhor e seus prepostos como um cão qualquer.

Em 29 de novembro de 1830 inicia-se em Varsóvia uma revolta dos poloneses contra o domínio russo, e Pavló Engelhardt é forçado a retirar-se dali com o seu destacamento militar para São Petersburgo.

Em São Petersburgo, seu senhor permite somente que ele continue o aprendizado e a prática da pintura com um pintor de paredes e decorador, Cheriaiev. Esse, mau caráter que era, sequer leva em consideração que Tarás já estudara desenho e pintura em Vársóvia. Humilha-o fazendo-o ocupar-se das tarefas mais simples e cansativas, pintando cerca e muros. Tal atividades era um retrocesso para ele. Mas com o passar do tempo ele passa a executar tarefas mais sofisticadas, tendo o pintor que instruí-lo e dar-lhe a necessária orientação, bem como possibilidade para se especializar no ramo. O sucesso do aprendiz não tardou e inclusive passou a ser fonte de renda para Cheriaiev, que por isso, desvendava-lhe todos os segredos da arte e insistia em mantê-lo consigo. Vindo a saber disso Pavló Engerlhardt passa a cobrar de Cheriaiev pelo seu servo-artista. Tarás nada recebe, mas é contratado para um período de 4 anos por Cheriaiev.

Tanto Tarás como outros aprendizes e auxíliares moravam e trabalhavam junto com Cheriaiev, em tempo intergral. Somente aos domingos permitia-lhes ir à igreja. Como não tinha nenhuma folga, Tarás costumava sair de madrugada para o serviço e antes de chegar a hora de começar a trabalhar, ou também à noite quando voltava do serviço, aproveitava para ir a um grande parque da cidade e desenhar copiando estátuas de deuses mitológicos.

A sorte finalmente sorriu para ele. Num desses serões foi surpreendido por um estranho que, admirado com a qualidade do seu trabalho, interessou-se em saber quem era aquele anônimo artista com tanto talento. E qual foi a supresa deles quando descobriram que ambos eram compatriotas e quase vizinhos na terra natal. Esse estranho era o artista e estudante da Academia de Artes de São Petersburgo, Ivan Sochenko.

Isso ocorreu em meados de 1835. Com o inesperado encontro iria mudar completamente o rumo de sua vida.

Libertação de Tarás: Conterrâneos, falando a mesma língua e irmanados por idêntica vocação artística, ambos tornaram-se quase que imediatamente grandes amigos. Sochenko, encantado com o talento e a inteligência do amigo, procura auxíliá-lo como pode. Põe à disposição dele seu modesto ateliê, e graças ao seu relacionamento e conhecimento com Cheriaiev, consegue que o libere para que possa visitá-lo, inicialmente aos domingos, e mais tarde inclusive nos dias em que não havia serviço.

Os progressos do aprendiz são fantásticos. Já domina a técnica do desenho. Começa a aprofundar-se na arte da pintura de retratos com aquarela. Com o amigo começa a visitar e apreciar as galerias de arte e entra em contato com o mundo artístico da capital do império, onde naquela época estava concentrado o que de melhor havia nos domínios do tzar. Tem acesso a cursos e ciclos de estudos da Sociedade de Apoio aos Artistas, cuja diretoria, vendo qualidade de seus trabalhos, assegura-lhe a possibilidade de conceder uma bolsa para que se estude na Academia de Artes de São Petersburgo.

Naquela época não era permitido o acesso de servos, pessoas não livres, para serem acadêmicos. Eis mais uma razão para Tarás querer ver-se livre de sua dura e humilhante condição. E agora isto já era mais viável. Conhecera muitas pessoas influentes, do mundo artísticos, que lhe eram favoráveis. A esperança era grande e seu empenho maior ainda.

Ivan Sochenko logo apresentou Tarás a seu amigo Ievhen Hrebinka, escritor e humorista ucraniano, estabelecido em São Petersburgo desde 1834, que escrevia em ucraniano e principalmente em russo, sobre temas ucranianos, era alto funcionário na administração do ensino e por isso tinha muito prestígio e acesso aos meios intelectuais, artísticos e políticos. Essa nova amizade foi de imensa importância, pois deu acesso para Tarás, que então já era rapaz de 23 anos, à biblioteca mais completa disponível naquela época em São Petersburgo, sobre temas ucranianos e de autores ucranianos antigos e mais recentes que tratavam de história como também da cultura, costumes e arte popular. Hrebinka emprestava todos os livros que Tarás queria, e este, como ele próprio testemunhará, lia “tudo o que lhe caía nas mãos”.

Como trabalhava o dia inteiro com pintura, lia à noite, à luz de velas, que seu amigo Ivan Sochenko lhe comprava, pois não tinha então dinheiro nem para isso. Como lia tudo, com certeza leu também os melhores autores russos e também poloneses, pois conhecia bem essas duas línguas. Assim teve acesso ao fantástico mundo da literatura, da poesia clássica e romântica, esta última, então dominados nos meios artísticos.

Karló Briullov Karló Briullov, 1838

Por Sochenko e Hrebinka foi Tarás apresentado ao secretário da Academia de Artes, Vassil Hrihorovitz, ao artista Venetzianov, ao destacado pintor Karló Briulov, ao preceptor dos filhos do tzar e famosos poeta Vassil Zukóvski. A amizade com tais celebridades e intelectuais era de grande importância para Tarás, pois lhe proporcionava acesso às últimas novidades no campo da arte e da literatura. E todos eles, vendo o seu talento, iniciaram gestões para que fosse-lhe possível estudar na Academia de Artes. Como isso, devido a sua condição de servos, não lhe era permitido, começaram a empenhar-se para libertá-lo. Seu senhor Pavló Engelhardt, não se mostrava sensível aos argumentos e apelos filatrópicos e humanísticos e não concordava em libertar seu servo, ainda mais agora, que já era tão prestigiado. Finalmente concordou e deu seu preço: queria pela sua libertação 2.500 rubros. A quantia era muito alta e como nenhum dos seus amigos dispunha dela, resolveram arrecadá-la junto aos nobres com uma rifa. O Pintor Briulov fez um quadro do poeta Zukóvski, então o poeta mais popular e preferido da corte, e rifando-o conseguiram o dinheiro necessário. Compraram assim a carta de alforria de Tarás Chevtchenko. Isso ocorreu no dia 22 de abril de 1838, quando ele tinha 24 anos completos. Em memória a esse seu dia inesquecível ele dedicou mais tarde dois poemas aos seu benfeitores e amigos: ao poeta Zukósvki o poema “Katerena”, e ao secretário da Academia, Vassil Hrihorovitz, o poema “Haidamake”.

Livre, Tarás Chevtchenko recebeu a bolsa de estudos prometida e começou a frequentar a Academia de Artes. Em pouco tempo tornou-se um dos melhores alunos do grande mestre Briulov, que lhe franqueou o acesso ao seu ateliê e à sua biblioteca, a qualquer hora, tornando-se seu grande amigo e confidente.

Seus contatos e relacionamentos com pessoas cultas e suas amizades aumentavam cada dia, e além disso, Chevtchenko não só lia, mas devorava todos os livros que lhe vinham às mãos, para recuperar o tempo perdido e compensar o que não pôde aprender antes. E tinha muito o que aprender. Ele mesmo confessa mais tarde, que teve que aprender as mais elementares noções de matemáticas, pois nem as quatro operações nunca ainda lhe tinham sido ensinadas até então, bem como geometria e conhecimentos gerais. Além disso, os teatros, concertos, conversas e debates com pessoas inteligentes e cultas, a Academia, tudo desenvolvia a sua inteligência e aumentava seus conhecimentos. Tão-só a lembrança da sua pátria, as saudades de seu povo e a consciência do jugo da servidão a que seus compatriotas estavam submetidos, transtornavam-no e perpassavam de triteza e melancolia esse período tão afortunado e feliz.

Surge o Poeta: É como um homem livre, que Tarás Chevtchenko começa a escrever sistematicamente versos, embora suas primeiras tentativas datem do ano de 1837. Desse período somente conservou-se o seu primeiro poema romântico “Pretchena” (Louca), publicado por Evhen Hrebinka em seu almanaque “Lastivka”, em 1841.

O que lia, o que sentia e pensava sobre a pátria sofrida e tão profundamente amada, ele recantava em versos, anotava-os em folhas de papel e guardava em uma caixa debaixo da sua cama, sem mostrar a ninguém, exceto a seu amigo Hrebinka, que o admirava e incentivava.

Após sua libertação, passou a morar junto com seu amigo Ivan Sochenko. Ambos dividiam um quarto térreo, que lhes servia de moradia, dormitório e ateliê. Juntos estudavam na Academia, juntos moravam e trabalhavam.

A maior ocupação dos artistas de então era o desenho e a pintura de retratos, eles os pintavam sob encomenda e geralmente na presença do interessado.

Naquele tempo, um rico senhor ucraniano veio a São Petersburgo e, visitando, entre outros, o seu amigo e escritor Evhen Hrebinka, manifestou-lhe o desejo de fazer um retrato. Este encaminhou-o para o seu amigo e protegido Tarás Chevtchenko.

Era o nobre ucraniano Petró Martos, da cidade de Poltava. Ao posar no ateliê para a confecção do seu retrato, viu ali uma folha de papel manuscritos uns versos. Ao lê-los ficou admirado com a beleza do poema e com o seu conteúdo patriótico. Tratava-se do poema “Tarassanova nitch” (Noite de Tarás), que retratava um “Kobzar” (trovador, geralmente ex-guerreiro cego, que cantava e declarava poemas épicos, tocando um instrumento musical de cordas chamado “Kobza”). O poema iniciava com os seguintes versos:

“Na encruzilhada um “Kobzar” está sentado,

tocando a sua “Kobza”…

Daí provém o título da primeira coletânea de poesias de Tarás Chevtchenko. Pois Petró Martos, com a concordância do novo poeta, levou esse e mais outros sete poemas para o seu amigo Evhen Hrebinka e, convencido do seu alto valor literário e artístico, providenciou sua publicação, o que ocorreu em 1840, em São Petersburgo. Sob o título de “Kobzar” foram publicados então 8 poemas. Além de “Tarassova nitch”, mais os seguintes: “Zaspiv”, “Dume moí dume”, “Perebêndia”, “Katerena”, “Topolha”, “Nastzó mení brove”, “Do Osnovianenka” e “Ivan Pidkova”.

Kobzars

O “Kobzar” era tão-somente um livrinho, mas seu conteúdo e a forma fizeram o povo estremecer: antes de Chevtchenko ainda ninguém na Ucrânia, tinha escrito assim sobre a exploração do povo, ninguém ainda pintara tão lindamente o passado da ucrãnia, ou lamentara de tal forma de o povo daquele tempo nada saber sobre a glória de outrora, permanecendo calado e submisso. Pessoas idosas, inclusive os mais ricos e livres que já desde muito estavam distanciados e até desacostumados da língua materna, choravam lendo o “Kobzar”.

Lendo as palavras do jovem poeta, a Ucrânia estremece e levanta a cabeça. O poeta, com uma sutileza sem igual, conhecendo profundamente sua terra, encontrou uma forma de falar que atingiu diretamente a alma do seu povo, e suas palavras boas e suaves, profundas e humanas, mas sobretudo penetrantes, despertaram o que estava profundamente adormecido, amortecido pelo infortúnio e pela desolação: o sentimento nacional ucraniano.

O poeta revela um estraordinário amor à sua terra e à sua gente. E em palavras sedutoras, novas e ardentes, descreve as belezas e os encantos da terra ucraniana, descreve a vida simples e os sentimentos humanos do seu povo. Todos ouvem maravilhados a voz nova: os lábios apertados pela dor, entreabrem-se; os corações degelam e começam a pulsar de uma forma diferente; os olhos das pessoas adquirem na sua expressão algo de novo, os sentimentos começam a vibrar suavemente, em manifestações quentes de lágrimas, de melancolia, de nostalgia, de saudades de algo que era belo, era precioso, mas que se foi. Toda a Ucrânia passou a falar do ex-servo, glorificando-o e não poupando-lhe elogios.

Contrária foi a reação dos escritores e críticos de arte de São Petersburgo e Moscou. Era se se esperar coerente com sua mentalidades imperialistas e chovinistas que viam beleza e arte somente em sua língua e em obras de seus pares. Um crítico, Visarion Bielinski, esqueceu-se até de tratar do aspecto literário e artístico da obra do novo poeta, e baixando o nível, atacou-o ferozmente e com ironia, censurando-o por “pretender” fazer arte literária usando a “língua dos camponeses”, – assim ele chamava a língua ucraniana, considerando-a um simples dialeto, uma corruptela da língua russa, para ele, a única idônea para a literatura no império. Censurou-o por ocupar-se com temas que ele considerava banais e desinteressantes, pois a arte literária, dogmatizava ele, destina-se a pessoas cultas e não ao povo simples, com temas mais interessantes e idealizando a realidade.

A reação de Táras Chevtchenko não tardou. Logo em 1841, publica seu grande poema histórico-patriótico “Haidamake” e uma passagem ironiza o conselho daquele crítico de não esbanjar seu talento, as aproveitá-lo escrevendo em língua russa. “É quente o agasalho, mas, muito obrigado, não me serve.”

Em 1842 Tarás Chevtchenko chega a escrever uma peça de teatro e alguns poemas em língua russa, para provar a seus críticos mais impertinentes que a conhecia mas que não a usava na sua obra literária, porque não gostava. Na língua materna, sua veia própria fluia espontaneamente; na estranha, só forçando a criatividade. Sobre o seu crítico, escreve a um amigo: “Que ladre o cão, o vento dissipará seus latidos”!

Auto retrato de Chevtchenko

Nesse período sua vida é muito movimentada. Escreve muito, lê tudo e o quanto pode. Na Academia de Artes continua seus estudos e já pintando a óleo. De 1840, justamente deste período pinta seu famoso auto-retrato, com pose, adereços e expressões idealizada no melhor estilo romântico daquela época. As encomendas de quadros avolumam-se e com elas começa a entrar dinheiro, o que lhe permite arrumar-se melhor, frequentar ambientes mais requintados e levar uma intensa vida social, mais compatível com a sua crescente fama de artista da pintura e da palavra. Frequenta assiduamente o teatro e participa de todos os eventos culturais. Seu desempenho na Academia de Artes é objeto de menção honrosa da Sociedade de Apoio dos Artitas, que lhe renova, por isso, a bolsa de estudos. Torna-se amigo íntimo do jovem pintor, alemão de origem, V. Sternberg, que após ter passado uma temporada pintando na Ucrânia, estava agora em São Petersburgo, cursando a Academia de Artes. Colegas da Academia, com o tempo, dividem o aluguel de quarto e passam a morar juntos. Com Eternberg, Tarás Chevtchenko participa dos serões literários da colônia alemã em São Petersburgo, e assim conhece as obras dos escritores europeus e a música clássica e romântica dos grandes compositores do continente.

Saudades da Pátria: O relativamente pequeno número de exemplares impressos do “Kobzar” logo se espalha entre os seus conterâneos e os seus versos já circulam na Ucrânia de mão em mão em cópias manuscritas. Com a sua popularidade crescia também o número de amigos compatriotas, que passaram a apreciar muito o poeta e procuravam ajudá-lo como podiam. Eram intelectuais, como o poeta e historiador Mekola Markévitz, artistas como o grande Mechailo Stchépkin – também filho de servos e agora muito polpular, patriotas e militares como o comandante do exército no Mar Negro, Iákiv Kucharenko, ricos senhores, como o fazendeiro de Katchanivka, Ternóvski, e muitos outros. Com eles e com muito outros mantinha, Tarás Chevtchenko, viva e frequente correspondência, onde falava de suas dificuldades e anseios e recebia deles incentivo e informações sobre as últimas novidades de sua terra e a repercussão da sua obra poética e patriótica, e inclusive convites para que viesse visitá-los, assim que pudesse voltar à própria terra.

Tendo concluído o 5º ano de estudos na Academia, o curso durava 6 anos, nas férias de verão, em meados de 1843, finalmente realizou seu maior desejo: viajou para a sua terra, foi rever a sua Ucrânia, agora como pessoa livre. Partira de lá em 1829 com 15 anos e meio. Voltava 14 anos depois com 29 anos.

Permanece ali vários meses, visitando os amigos na região de Tcherniniv e de Poltava, onde se hospeda é recebido com muita festa e calor humano. Ali conhece muitas pessoas de destaque, entre os quais o príncipe ucraniano Répnin, antigo governador-geral residente em Kiev, atualmente exonerado pelo Tzar. Fica amigo da filha de Répnin, a princesa Varvara Répnin, que lhe foi de suma importância mais tarde, amizade que manteve até o fim da vida.

Visitou seu familiares em Kerelivka, esteve em Kiev, foi para Chortêtsia e visitou o mosteiro Mejehírskei Spas (que será depois o palco do seu poema “Tchernetch” – Monge). Visitou lugares de grande importância histórica. Esteve em Tchegheren, capital dos cossacos; conheceu os saltos do rio Dnipró, nos quais, em uma ilha situa-se o quartel general dos cossacos. Foi a Subótiv, propriedade e antiga residência do “Hetman” Bohdan Khmelhnêtskei. Reviveu parte do passado histórico, mas só viu ruínas. O contraste entre as duas realidades o magoa, fere-lhe a alma, a inevitável reflexão patrióta faz nascer no poeta o desejo indomável de fazer algo para mudar esta realidade. É aqui que o Poeta torna-se profeta. Aqui nascem os poemas “Rosreta Mohela” (Túmulo profanado), “Tchegheren”, “Velekêi Ihokh” (Grande caverna). Aqui toma forma a concepção política anti-moscovita de Tarás Chevtchenko.

Após 10 meses volta a São Petersburgo para o último ano de curso na Academia. Mas volta com o coração cheio de dor e amargura devido à situação social e política da sua pátria. Ele viu como o povo da Ucrânia era mantido na ignorância, para que não conhecesse o “espírito da verdade”, para que não tentasse reagir e reinvendicar seus direitos e a liberdade. Viu que os nobres e os ricos além de não importa-se com a Ucrânia ainda por cima ajudavam “aos moscovitas a dominar e a arrancar dela até a camisa já remendada”. De sua pena só flui mágoa e tristeza no poema “Rosreta Mohela” (Túmulo profanado). No poema “Son” (Sonho) condena e satiriza a ordem imposta pelo tzares.

Durante o ano de 1844 conclui seus estudos e diploma-se como artista e pintor profissional, em 22 de março de 1845. A seguir volta para a Ucrânia e fixa-se na Capital, Kiev.

Tarás Chevtchenko – O Profeta Nacional: Em kiev, devido á sua condição de artista profissional diplomado, logo vincula-se à Universidade local e integra a Comissão Arqueográfica criada por essa instituíçao para inventariar e redescobrir o passado da Ucrânia, reconstituindo e redesenhando os monumentos históricos em ruínas, anotando os usos, costumes e tradições do povo, coletando lendas e canções populares. Mas o seu interesse não era meramente cultural e artístico. Estudando o passado, a sua preocupação era com o presente. Estudando e pesquisando o passado glorioso, ele procurava as razões da atual desgraça nacional. Suas constatações, análises e conclusões eram o tema de seus poemas desse período.

Essas idéias patrióticas e políticas ele já tinha começado a desenvolver nos poemas desde 1843. Mas no ano de 1845 ele aprofunda e detalha mais a sua mensagem. Escreve seu fantástico “Kavkás” (Cáucaso). Também escreve “Ierétek” (Herege), “Psalme Davêdovi” (Salmos de Davi), “Nevólhnek” (Prisioneiro), “Subótiv”, “Náimetchka” (Empregada). Estes poemas e alguns outros mais curtos, mas não menos importantes, seguem uma linha de pensamento comum. Á medida que os escrevia, com certeza imediatamente os declamava para os amigos. Estes os transcreviam e espalhavam para o povo e inclusive para pessoas influentes, que os liam entusiamadas. A todos esses poemas faziam pensar. Para muitos abriam os olhos. Estimulavam o surgimento de uma nova mentalidade. Além de poeta, Tarás já era de fato o Profeta Nacional.

Tarás Chevtchenko, consciente de sua popularidade e da grande autoridade de suas palavras, escreve em 14 de dezembro de 1845 seu famosos “Poslánie”(Carta). Em tom solene e palavars fortes dirige-se, claramente e sem rodeios, aos patrões, ricos e nobres ucranianos, que esquecidos de sua origem, servem a interesses estrangeiros e colaboram com os dominadores, maltratando o povo, submetendo à servidão os “irmãos menores”:

“… repensem” Sejam gente

Senão a desgraça é iminente:

Libertar-se-á logo o povo acorrentado,

e far-se-á justiça!…”

Como as palavras que lhes dirige valem para todas as gerações, ele endereça esta mensagem aos seus “conterâneos mortos, vivos e ainda não nascidos, que estão na Ucrânia e fora dela”. Uma passagem deste poema contém um conselho que tem valor universal:

“Estudem, meus irmãos!

Pensem, leiam,

e aprendam o que pe dos outros,

não se afastem do que é seu…”

Era sua intenção publicar suas poesias de 1843 a 1845. Escreve então uma poesia chamada “Trelitá” (Três anos), que seria o preâmbulo desse livro. A publicação não era possível, pois não passaria pela censura tzarista. A coletânea permanece manuscrita e desta forma continua sendo divulgada.

Em fins de dezembro de 1845, contrai o tifo e adoece tão gravemente que já pensa em morrer. Movido por forte emoção, unindo os sentimento contraditórios de ódio e supremo amor, revolta-se contra Deus em face das injustiças da Ucrânia, e com uma piedade singela, escreve seu “Zapovit” (Testamento). Esse poema, que é uma declaração de amor à pátria e ao seu povo injustiçado, já foi traduzido para várias dezenas de idiomas e é um dos mais conhecidos. Literalmente ele diz:

“Quando eu morrer sepultem-me

numa colina,

em meio à estepe ampla,

na amada Ucrânia:

para que eu possa ver

os vastos campos semeados,

o Dnipró, os montes retorcidos

e ouvir como, ruidoso, ele ruge!

Quando for levado da Ucrânia

ao mar azul o sangue inimigo,

então eu tudo deixarei, campos e montes

e até Deus voarei para rezar.

Mas até então, a Deus eu desconheço!

Sepultem-me e levantem-se,

arrebentem as algemas

e com o mau sangue inimigo

reguem a liberdade!

E não deixem de recordar-me

na grande família,

na família livre, nova,

com uma boa, suave palavra!”

Gravemente doente, submete-se aso cuidados do médico A. Kosatchkóvski, seu grande amigo de Pereyaslav, cidade próxima à margem esquerda do rio Dnipró. Com a dedicação do amigo médico, ele consegue recuperar-se em pouco tempo retorna às suas atividades.

Comprometimento Político: Em meados de abril de 1846, Tarás Chevtchenko está de volta à capital Kiev (Kyiv). No ano anterior, ele visitou inúmeras cidades e lugares históricos, de que fez grande quantidade de esboços e pinturas. Em fevereiro de 1846, faz suas pesquisas históricas e etnográficas em Nizen, famoso centro cultural, ao norte de Kyiv. Aí estudou, quando jovem, um dos mais famosos poetas de língua russa, Gogol, que era ucraniano de nascimento e era, em sua obra poética, muito admirado por Chevtchenko. Nessa cidade encontrou Tarás seu grande amigo e benfeitor e antigo colega de São Petersburgo, Ivan Sochenko, com o qual passou horas amenas, recordando os velhos tempos. Encontrou-se também com Mekola Herdelh, que iria futuramente traduzir sua obra poética para a língua russa.

A seguir vai para Tcherníhiv, cidade histórica, onde havia muitos vestígios históricos do tempo do “Hétman” Ivan Mazepa.

A essa altura já era primavera, o clima mais ameno, e Tarás já estava recuperado fisicamente. Em Kiev(Kyiv) o esperam muitos amigos e muito trabalho. Ele volta. A Capital é um dos maiores centros históricos da Ucrânia desde remota antiguidade. Tarás desenha e reconstitui ali palácios, igrejas, mosteiros antigos. Ele é apaixonado pela Capital. Mas sua paixão maior ainda é o rio Dnipró, que a banha caudaloso e é a eterna testemunha de sua vida e de sua longa história. Às suas margens Tarás passa horas meditando. É ali que escreve as poesias “Russalka” (Sereia) e “Liléia” (Lírio).

Nesse período ele escreve pouco. Dedica-se em tempo integral aos trabalhos da Comissão Arqueográfica, cujo relatório final deverá ficar pronto até o final de dezembro de 1946. Em setembro viaja para Volenh e Podilha, na Haletchená, parte ocidental da Ucrânia, onde faz também suas pesquisas. Ali encontra o etnólogo Tchimkévitz e informa-se sobre a situação cultural e política nessa parte da Ucrânia que estava mais sob influência das idéias liberais, democráticas e abolicionistas do ocidente da Europa. E no campo literário havia ali também grandes novidades. Haviam passado tão só 10 anos desde que o grande poeta Markian Schaschkévitz publicara a coletânea de poesias próprias e de alguns novos poetas da região, sob o título de “Russalka Dnistrová” (Sereia do rio Dnister) em língua ucraniana. Este mesmo poeta, entusiasmado com os ideais românticos e com as idéias liberais, fundara com mais dois amigos poetas, Iákiv Holovátskei e Ivan Vehelévetz, uma associação, que chamaram de “Ruska tríitcha” (Trintade rutena) em que se comprometiam a trabalhar para o bem do povo, cuidando da sua instrução e educação no espírito nacional e ajudando-o assim a libertar-se. Markian morreu em 1837, mas seus amigos continuaram e ampliaram sua obra.

Isso tudo interessava sobremaneira a Tarás Chevtchenko. Em Kiev (Kyiv) ele pertencia a um círculo de jovens intelectuais e patriotas irmanados por ideais semelhantes, inclusive bastante ousados. Chamavam o círculo de “Tovarestvo Sviatekh Kerela i Metódia” (Sociedade dos Santos Cirilo e Metódio) em homenagem aos grandes apóstolos dos eslavos. Essa irmandade, de forma clandestina, debatia e divulgava a unidade cultural e política de todos os povos eslavos, mantendo cada povo sua independência e seu próprio governo nacional. Advogavam também pela imediata abolição da servidão e pela liberdade para todos os camponeses.

A Sociedade fôra fundada pelo professor Kostomáriv e dela faziam parte jovens intelectuais idealistas e patriotas, tais como Pantalêimon Kulisz, Mekola Hulak, Vasselh Bilosérskei e muitos outros.

Com o aparecimento de Tarás Chevtchenko, ele é logo convidado a associar-se a eles, que o admiravam e o adotaram como um ideólogo revolucionário, “uma luz vinda do céu”.

A amizade entre eles se consolida cada vez mais e as reuniões são freqüentes. Durante o Natal reúnem-se no quarto do amigo e estudante Mekola Hulak. Cantam canções de Natal. Debatem política. Resolvem editar um jornal em língua ucraniana. Tarás Chevtchenko entusiasmado declama suas poesias revolucionárias. A reunião festiva e ruidosa prolonga-se até a madrugada e não agrada ao estudante Olékcii Petrov, que mora no quarto ao lado.

Em 31 de dezembro de 1846, Tarás Chevtchenko e outros membros da Comissão Arqueográfica entregam ao Governador Geral em Kiev(Kyiv), Bibikov, o relatório, os desenhos e todo o material coletado. Tarás pleiteia do Governador a nomeação para professor de desenho na Universidade de Kyiv.

Enquanto aguarda a nomeação, aproveita para viajar. É convidado pelo amigo Pantalêimon Kulisz para ser padrinho de casamento. O casamento foi em 24 de janeiro e transformou-se numa grande festa patriótica. Os noivos, que muito admiravam o genial poeta e artista, comunicam-lhe seu plano de viajar a estudos para a Itália e convencem a Tarás que viaje também, que eles custeariam a viagem e a estadia. Surpreso mas feliz com a idéia, que era seu antigo sonho, devido à insistência ele concorda e decide-se a viajar. Isso deveria ocorrer nos próximos meses. Mas antes, vai para Sédniv, passar uma temporada na residência de seu amigo Lizogub. Permanece ali até abril.

Ali, em 7 de março de 1847, escreve seu grande oema “Vidma” (Feiticeira) e no dia seguinte escreve o prefácio do segundo livro de suas poesias, que pretendia editar no exterior, de comum acordo com seu amigo Pantalêimon Kulisz, possivelmente na Alemanha, com uma introdução e comentários em alemão, “para que o nome ucraniano fosse glorificado em todas as línguas”, como escrevia então. No prefácio advogava a necessidade de uma literatura ucraniana de alta qualidade, mas castiça, genuína, patriótica e ligada ao povo e às suas necessidades e anseios.

Em fins de março recebe uma carta de seu amigo de Kyiv, Kostomáriv. Uma boa notícia: estava confirmada sua nomeação para professor de desenho na Universidade. E junto um convite para ser padrinho de casamento de Kostomáriv.

Já era Semana Santa. Passa aí as festas de Páscoa e em 5.4.1847 viaja de barco rio Dnipró abaixo para a capital, para o casamento do amigo, que seria naquele mesmo dia.

Mas uma terrível supresa o espera na chegada em Kyiv. Ao descer do barco é preso e lhe confiscam a mala com todos os manuscritos que levava consigo. Protesta e pede que o deixem ir ao casamento do amigo. Informam-lhe que não haverá casamento, pois o noivo também fôra preso! O estudante Petrov tinha dado parte da reunião deles e entregue à polícia o nome de todos os membros da “associação política clandestina”.

Preso e Exilado: Preso, é submetido a inquérito. Os seus escritos o incriminam. Principalmente o poema “Son” que insulta a família do tzar russo, e o “Poslánie”, que fala em revolução armada e sangrenta. Junto com todos seus manuscritos e o inquérito, ele é mandado, sob escolta, para São Petersburgo, onde chega em 17 de maio de 1847 e fica preso aguardando o julgamento. Na solidão escreve 13 poesias “miniaturas”, no estilo de “baladas”, dedicadas aos seus amigos de infortúnio, presos com ele. O julgamento é rápido. A sentença não tarda. Dia 30 de maio de 1847, Tarás e todos seus amigos também presos e julgados, ouvem as sentenças. A maior é a dele: 10 anos de prisão e exílio para a cidade de Orenburg, onde devia servir como simples soldado, sujeito à dura disciplina militar. O tzar Nicolau acrescentou por própria conta na sentença: “sob a vigilância mais severa, com a proibição de escrever e pintar”.

Todos foram condenados ao exílio e proibidos de voltar à Ucrânia.

O golpe é duro. Mas não consegue fazer calar a musa do grande Poeta.

A sentença é cumprida imediatamente. No dia seguinte levam Tarás para Orenburg. A viagem dura 8 dias. Em 18 de junho de l847 é incorporado ao batalhão que parte para a fortaleza de Orsk, onde chega em 23 de junho de 1847. Ali começa seu duro calvário.

Não bastasse o exílio e a disciplina militar, tinha que submeter-se ainda ao vexame de executar as mais humildes tarefas. Mas o pior de tudo para ele era a proibição de escrever e pintar. Estas duas atividades eram para ele uma necessidade vital do seu espírito. E por ser insuportável essa privação, ele logo começa a escrever às escondidas. À noite, enquanto todos dormiam, ele, à luz de vela, escrevia seus versos. E o fazia em folhas de papel que ele dobrava em quatro, cortando-as antes ao meio e depois costurando-as em forma de caderninhos. Para não ser flagrado em qualquer inspeção, ele levava esses caderninhos sempre consigo, escondendo-os dentro do cano de suas botas. Por isso tais caderninhos são conhecidos como “zakhalhávni”, ou seja “de dentro do cano da bota”.

Eles eram para o poeta toda a sua riqueza. Seus primeiros versos, cheios de melancolia, assim iniciam:

“Poemas meus, poemas meus!

Sois só o que me resta!

Ao menos vós não me abandoneis

na hora da desgraça!…”

Desta forma ele legou à posteridade dezenas de suas obras escritas de 1847 a 1850.

A distante fortaleza de Orsk ficava na região dos montes Urais. O clima aí era muito insalubre e rigoroso. Não tarda muito e Tarás Chevtchenko, enfraquecido, adoece. Inicialmente era o reumatismo que o torturava. A seguir, devido à alimentação inadequada e fraca, é acometido pelo escorbuto, que o transfigura fisicamente.

Debilitado fisicamente e psiquicamente abatido, recupera-se graças ao grande apoio que lhe dá a sua influente amiga ucraniana, a princesa Varvara Répnin, da cidade de Iahóten, filha do antigo governador-geral da Ucrânia. Possibilitam-lhe corresponder-se, e é ela a sua maior interlocutora. Informada por ele do seu estado de espírito, ela o anima e o incentiva com grande elevação mística.

Um outro amigo que lhe escreve e posteriormente lhe envia livros e até material para pintura é Lizogub, em cuja residência Tarás estivera nos últimos mêses na Ucrânia, antes de ser preso.

Esta correspondência é vital para ele, rompendo-lhe um pouco a solidão e mantendo-o, ao menos parcialmente, ligado à sua amada pátria e à literatura, pelos livros que lhe conseguem remeter.

Em maio de 1848, o militar e geólogo russo Grigory Ivanovich Butakov organiza uma grande expedição científica que parte do forte de Orsk sob escolta militar até o distante mar Aral.

A finalidade da expedição era perquisar o descrever o mar Aral, ainda então desconhecido, e que ficava na imensa região anexada ao império russo.

Essa região corresponde aos atuais Turkmenistão e Uzbequistão.

Como precisavam de um desenhista para esboçar as paisagens daquelas regiões e sabendo da aptidão profissional de Tarás Chevtchenko, Bukakov consegue incluí-lo na comitiva. Tarás parte com a expedição em 11 de maio de 1848. A viagem pelas estepes desérticas é feita em ritmo lento e geralmente à noite. De dia o calor é quase insuportável. O sofrimento é grande, mas para Tarás há uma regalia. Ele é tratado como profissional e não como simples soldado e por sua tarefa na expedição, desenha e pinta livremente, mesmo sem ter sido oficialmente suspensa a proibição constante em sua sentença de condenação. Somente em 19.6.1848, portanto 5 semanas depois, chegaram ao mar Aral. Acampam e os membros da expedição montam o barco à vela que trouxeram na comitiva. Com esse barco, o comandante Butakov e limitado número de profissionais, inclusive Tarás, iniciam as pesquisas e atravessam o mar indo estabelecer-se na margem oposta, no forte Kos-Aral. Tarás trabalha desenhando e pintando e aproveita da relativa liberdade para escrever, se bem que discretamente e sempre em seus caderninhos. Um quarto de sua obra poética data desse período.

A expedição termina somente em fins do ano seguinte. Voltam a Orenburg em primeiro de novembro de 1849.

Devido ao seu relacionamento e seu prestígio com os oficiais, ele tem grande regalia, não usa mais uniforme militar, mora na casa do amigo K. Gern e consegue dedicar-se às artes. Aí até fins de abril de 1850 escreve várias poesias, que constituem seu quarto caderninho “Zakhulhávnei”.

Mas em abril desentende-se com um oficial, que vingando-se denuncia-o de não estar cumprindo sua pena. Por sorte o amigo Gern consegue por a salvo seus quatro caderninhos de poesias, pois é feita uma devassa em seu quarto, apreendida toda a correspondência e tudo o que pertencia ao Poeta, e Tarás Chevtchenko é preso em 27 de abril de 1850 e levado novamente ao forte de Orsk, sendo daí remetido em regime carcerário servero para o forte de Novopetrovsk às margens do mar Cáspio, em 8 outubro de 1850. É confiado ao carcereiro Potapov, que o submete à mais severa vigilância e a vistorias diárias.

Somente com o passar do tempo Tarás consegue a simpatia do comandante Uskov e este o inclui numa expedição geológica que vai pesquisar as montanhas Kara-Tau.

Assim ele fica 5 meses fora do forte e já pode desenhar e até escrever.

A expedição durou de maio a outubro de 1851. De volta ao forte, a disciplina continua rígida. Mas o comandante já tem um comportamento mais brando com Tarás Chevtchenko. Tarás por vezes tem até acesso ao seu círculo familiar, manifestando grande admiração e simpatia pela esposa do comandante. Pinta o retrato do comandante e da sua esposa e já está mais à vontade. Nesse período não escreve poesias. Mas a partir de 1851 começa a dedicar-se à prosa e escreve diversos contos. Em 1856 escreve o conto “Khudóznek” (Artista), sua autobiografia do período de estudante, e muitos outros. E pinta bastante, mas discretamente.

Desde que fôra condenado, muitos dos seus grandes e fiéis amigos, mesmo sem que ele soubesse disso, estavam lutando por ele. Inicialmente empenhavam-se para mitigar sua pena, principalmente tentando relevar a proibição de pintar. Quem mais se empenhou foi a sua maior amiga, a princesa Varvara Répnin, que usou de toda a sua influência para ajudá-lo. Outros grandes amigos que muito lhe ajudaram foram os influentes irmãos Lazavévski, muito bem relacionados. Mas a palavra final sempre tinha que ser do tzar Nicolau I e este era inflexível.

A Libertação: Finalmente em 1855 morre o terrível tzar Nicolau I. É sucedido pelo seu filho Alexandre II, jovem e de formação mais liberal.

Com isto as esperanças dos amigos de Tarás se reacendem e eles empenham-se freneticamente em sua libertação. Mas passa o ano de 1856 e já chega ao fim o seu décimo ano de exílio em maio de 1857. Só então, em 21.7.1857 ele é finalmente solto. Dia 2 de agosto parte de Novopetrovsk, – hoje denominado forte Chevtchenko -, de barco, através do mar Cáspio, para a Rússia. Para a Ucrânia não lhe foi permitido voltar.

Permanece na cidade de Nizni Novgorod durante 5 meses e meio, recuperando-se fisicamente. Mas sem demora lança-se a escrever, e logo saem da sua pena o poema “Neófite” (Neófitos) e várias poesias menores. Amigos de todas as partes vêm ao seu encontro. Tudo é festa. As boas surpresas se sucedem. E qual não foi a alegria quando recebeu, remetidos de Orenburg por seu amigo K. Gern, os quatro caderninhos com as suas poesias! Eram seus “filhos” que lhe voltavam às mãos!

Para o Natal vem visitá-lo seu grande amigo e famoso artista Stchépkin e durante seis dias comemoram as festividades com grande alegria e emoção.

Sua genialidade é a mesma, sua musa mais amadurecida e mais mística. Mas Tarás fisicamente é quase irreconhecível. A violência psicológica do exílio, a rudeza da vida nos fortes, a má alimentação, as doenças e as péssimas condições climáticas transfiguraram o seu físico. Alquebrado, aparenta um velhinho setentão, parcialmente calvo, de cabelos encanecidos e de longos bigodes.

Na véspera de seu 44° aniversário, dia 8.3.1858, ele parte em direção de São Petersburgo passando por Moscou, onde chega dois dias depois. Passa ali a Páscoa com os numerosos contemporâneos que ali viviam e com seus inúmeros amigos. Emocionante foi o dia 17.3.1858: ele visita a sua grande amiga e benfeitora, a princesa Varvara Répnin, que agora residia em Moscou. Se grande foi a emoção, maior foi o espanto da jovem, que desde muito sonhava rever aquele que fora sua grande paixão juvenil, seu “príncipe encantado”, e que de comum acordo ela passara a admirar e amar com seu próprio irmão. Como ele estava fisicamente acabado e velho! Pouco sobrava da beleza juvenil que a encantara outrora. Felizmente, o espírito permanecera intacto!

Em fins de março de 1858, Chevtchenko chega a São Petersburgo e é recebido festivamente pelos amigos. E ali os tinha muitos. Eram ucranianos e poloneses, muitos inclusive ex-colegas de exílio, bem como russos que o admiravam. Vai logo agradecer ao amigo Mehailo Lazarevski, cujos apelos à intermediação do barão Fedir Tolstói, então vice-presidente da Academia de Artes, e da baronesa Nastácia Tolstói, foram decisivos para a obtenção da sua libertação por parte do tzar Alexandre II. Chevtchenko como agradecimento pinta dois belos retratos para o barão e para a baronesa.

Entre comemorações e festas, a vida entra no ritmo de outrora. Volta à Academia de Artes para especializar-se na arte da gravura. Reencontra os amigos Kulisz e Kostomáriv e junta-se a eles que continuavam trabalhando para o bem do povo ucraniano, editando livros e um jornal em ucraniano. Conhece a escritora ucraniana Maria Markóvetz, um jovem talento, que com o pseudônimo artístico de Markó Vovtzok, escrevia belíssimos livros. Encantado com suas obras, Chevtchenko dedica-lhe uma poesia em que a considera sua sucessora na obra literária. Ele faz a revisão de seus contos e a incentiva para que continue neste caminho, em que estava tendo grande sucesso.

Tarás Chevtchenko começa a ocupar-se com a publicação de suas poesias em um livro que ele intitula “Poesias de Tarás Chevtchenko”. Mas tem grandes dificuldades com a censura tzarista. Os censores temem problemas com o governo e são excessivamente cautelosos. Fazem muitos cortes e mudam até o título do livro. Insistem que tem que continuar, como o anterior, chamando-se “KOBZAR”. Esta publicação somente sai em janeiro de 1860, bastante desfigurada e incompleta.

Para salvar em parte a integridade de sua obra, Tarás Chevtchenko mandará imprimir em separado e por própria conta os textos censurados e os colará em alguns exemplares com que brindará seus melhores amigos.

De Volta à Pátria: Enquanto aguarda a publicação de suas poesias, ocupa-se com a pintura, para conseguir recursos para o próprio sustento, e continua a sua especialização na técnica da gravura.

Pessoalmente, porém, o que mais o preocupa é a sorte dos seus contemporâneos. A questão fundamental é a libertação dos camponeses-servos, o que daria condições para o desenvolvimento geral da nação ucraniana e a obtenção da liberdade política total bem como a independência.

 

Com motivos dos salmos e das profecias bíblicas, escreve poemas contra a servidão e procura ali figuras para descrever o futuro que ele sonha para o seu povo.

Preocupado com a sorte de seu povo e com a situação em sua Pátria, Tarás Chevtchenko esforça-se para poder voltar à Ucrânia. A liberdade dele era condicional. Em São Petersburgo ele vivia e trabalhava, mas sob vigilância dos órgãos de segurança e sob a responsabilidade direta da Academia de Artes, “para que não fizesse novamente mau uso de seu talento”. Por isso, para ausentar-se daquele domicílio, só poderia fazê-lo com expressa permissão. Com grande dificuldade e demora, finalmente consegue autorização para viajar.

Em 25.5.1859 parte de São Petersburgo. Além de saudades da Pátria e dos amigos, três motivos concretos levam-no de volta à Ucrânia. Ele pretende resgatar seus familiares da servidão, comprar uma chácara numa colina junto ao rio Dnipró para ali ter sua própria casa e encontrar uma alma gêmea, que tenha as mesmas origens, com quem pretende casar-se.

Em junho já está na parte oriental da Ucrânia. Como sempre, ele vai de cidade em cidade, visitando e encontrando os amigos e documentando sua estada com obras poéticas. Assim, em junho, está em Lêkhven, perto de Khárkiv, onde no dia 7 compõe uma canção (“Písnia”), e outra no dia 10, em Periáten: ambas falam de namoro. Em junho está em Tserkasse, visita seus familiares e a vila Kerelivka, da sua infância. Escreve então o poema “Sestri” (à irmã) dedicado à sua irmã Iarena, lamentando o duro destino que lhes coube, mas cheio de esperança acrescenta:

“Reze, irmã! Estando vivos,

Deus nos ajudará a superar. …”

Em Korsun visita seu primo Varfoloméi Chevtchenko, e vão juntos ver e até fazer a medição de uma área que este havia visto para Tarás adquirir. Enquanto estão no campo, aparece um estranho que vem ao encontro deles. Diz que está caçando. Chevtchenko e seus amigos estranham seu traje muito fino para a caça, mas nem lhes vem à mente que aquele senhor, o polonês Kozlóvski, um proprietário de terras na região, é um emissário para investigar o que ele vinha fazendo. Em tom provocador ele os interpela. A conversa se prolonga e vira até debate de cunho religioso, de tom pouco amistoso.

Terminada a medição, Tarás Chevtchenko despede-se e parte para outra cidade. Dias após é preso, devido à acusação de Kozlóvski, de ter blasfemado contra a religião e ter-se declarado contra as autoridades constituídas.

É feito um inquérito e a promotoria pede que lhe seja proibido viajar pela Ucrânia e que seja mandado de volta a São Petersburgo. Julgado em Kyiv, é absolvido, mas mandado de volta a São Petersburgo por ser “pessoa comprometida sob aspecto político, passível de ser mal-entendida”, não sendo conveniente, por isso que se estabeleça em sua terra…

Antes de partir ainda lhe é permitido ir à vizinha cidade de Pereiaslav, onde havia uma igreja matriz dedicada a Nossa Senhora. Festejava-se aí no dia 15 de agosto a grande festa da Assunção, para a qual acorriam multidões e traziam muita vida à discreta cidade, cheia de ruínas de construções ainda do tempo dos príncipes. Essa cidade fôra o palco do inglório tratado de Pereiaslav feito pelo comandante cossaco Bohdan Khmelhnêtzkei com o tzar russo, que possibilitou toda a posterior desgraça nacional da Ucrânia. Chevtchenko revive isso e escreve aí, no dia 18 de agosto, versos de censura e revolta contra o “Hétman” Bohdan.

Últimos anos e a Glória: Em 7.9.1859 está de volta a São Petersburgo. A Academia de Artes, considerando seus trabalhos artísticos, confere-lhe a graduação acadêmica de mestre em gravura. Com a pintura ele obtém recursos para o próprio sustento. Mas em fins de 1859, quando finalmente a censura autorizou a publicação de sua obra poética, também esta arte passa a lhe render dinheiro. Consegue do seu editor, Semerenko, logo um adiantamento de 1.100 rublos. Remete-os ao seu primo Varfoloméi, que lhe adquire uma pequena área, em Kániv, a montanha do monge, às margens do rio Dnipró. Era ali que Tarás Chevtchenko queria ir morar.

Com a publicação do novo “KOBZAR” e sua divulgação em 1860, a fama do Poeta e sua popularidade chegam ao auge. Fica feliz com o sucesso de sua obra junto ao seu povo. O que ele mais queria era justamente que o povo se instruísse, conhecesse a sua história e finalmente conseguisse a sua libertação. Destina, por isso, seu dinheiro, arrecadado com a venda do seu livro, para as escolas dominicais e elabora uma cartilha, o seu “Bukvar” (Abecedário). Escreve os poemas “Platchz Iaroslavne” (Lamentação de Iaroslavna, esposa do príncipe Íhor) e “Betva na Kaiáli” (Batalha em Kaiala), que são uma adaptação, para a língua ucraniana atual, do poema épico dos primórdios da literatura ucraniana, intitulado “Slovo o pólku Íhorevi” (Narrativa da campanha de Íhor).

A sua preocupação maior, porém, é que chegue o quanto antes o dia em que se acabe finalmente o regime de servidão que pesava sobre os camponeses. As idéias já se impunham entre as classes dominantes e este grande dia já se avizinhava. Mas o Poeta não espera passivo. Continua fustigando aquele cruel regime com suas poesias de fundo bíblico.

A essa altura a sua saúde já está bastante abalada. Queixa-se de fortes dores. Submete-se a tratamento. Dois médicos o assistem. Deve observar rígida dieta. Mas chegam as festas de Natal e de Ano Novo. Como não comemorar? Tem forte recaída e já não abandona o leito. Em 10 de março seus amigos comemoram com ele seu 47° aniversário. No dia seguinte, dia 11 de março de 1861, morre. Em São Petersburgo, longe de sua Pátria, morre o maior patriota da Ucrânia. Morre o Poeta da Liberdade sem sequer ter tido a felicidade de saber que o decreto extinguindo o regime da servidão acabara de ser assinado pelo tzar e somente seria publicado alguns dias após sua morte.

Tanto lutou pela liberdade, mas dos seus 47 anos de vida, durante 24 anos esteve sob o regime da servidão, 10 anos esteve preso, três anos e meio esteve sob vigilância policial e somente 9 anos e poucos meses pôde sentir-se livre!

A qualidade e a vastidão da obra que legou à posteridade é digna da maior admiração. São centenas de poesias e poemas, prosa, seu diário, sua valiosa correspondência (de que conservou-se somente parte). São centenas de valiosos retratos, alguns auto-retratos, explêndidos quadros a óleo, sépia e aquarela e mais de 1.300 desenhos e esboços, sem contar os extraviados.

Apesar de todos os percalços, pela sua genialidade e incomparável talento, Tarás Chevtchenko elevou a literatura ucraniana ao nível de reconhecimento mundial.

 

Fonte: www.pessoal.utfpr.edu.br/zasycki/chevtchenko.html

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